sábado, 25 de setembro de 2010

O artista e a política


Recebi do artista paraibano Sergio Lucena, radicado em são Paulo, a única manifestação relativa à edição 13 d’A Marmota, em que compartilho uma matéria publicada na revista Veja sobre "hegemonia cultural", que me chamara a atenção.  As considerações de Sergio sobre a situação política do país e a relação do artista com a política são absolutamente pertinentes, de maneira que, com a concordância dele, decidi divulgar nossa troca de e-mails ocorrida neste final de setembro de 2010. Esta edição d’A Marmota é um bom motivo para uma reflexão sobre a indiferença e omissão sobre nossa vida quotidiana.
Henrique Magalhães

Meu caro Henrique,
Desculpe a demora em responder agradecendo o envio deste e-mail. É um alivio para mim saber que você está atento aos fatos, e que não se deixou sucumbir ao totalitarismo hegemônico que se configura no Brasil em torno  da candidatura Dilma.

Ao que tudo indica, no lento processo de maturação política do país,  caminhamos para uma nova experiência totalitária mal disfarçada num capitalismo de favores, onde a máxima absolutista prevalece: aos amigos tudo, aos inimigos a força da lei.  Este atraso histórico está refletido claramente na infantilidade da nossa sociedade, que vê Lula como um pai e agora quer deitar-se no colo da mãe. No geral, não temos consciência nem responsabilidade individual, e este governo bem sabe usar desta inocência infantil. Um dos exemplos disto é a avacalhação moral imposta por este governo como norma de conduta, um prejuízo imensurável ao avanço do país rumo a um lugar civilizado, nada poderia ser mais comprometedor ao nosso futuro que esta pérfida estratégia, naturalmente que a censura das idéias e da livre expressão é parte do projeto.
Forte abraço
Sergio Lucena

Caro Sergio
De todas as "Marmotas" que já enviei, esta foi a que gerou mais indiferença dos leitores. Você foi a única pessoa que comentou e fico muito feliz que partilhamos o mesmo pensamento. Estou indignado e envergonhado com este país e não vejo um futuro brilhante para ele. Esta eleição, em particular, me mostrou isso e me levou a uma desesperança sem fim.
Felizmente, no nível pessoal, estou muito tranquilo e feliz. HM

Meu querido,
Embora muitos dentre nós estejam atentos aos fatos, para minha surpresa, de varias partes do meio cultural, e especialmente de alguns colegas artistas da Paraíba e do Nordeste, tenho recebido toda sorte de criticas por discordar frontalmente do caminho que o país está trilhando, a meu ver, o caminho da barbárie.  

Assisto a fúrias destes artistas e de muitos ideólogos sociais a acusarem à busca solitária do artista, que é minha crença e meu caminho, como uma postura arrogante e descompromissada politicamente com a sociedade, eu digo que é justo o contrario o que se passa. Eu digo que a sociedade muito se beneficia desta atitude do artista, que ao se ajustar a si mesmo ele atende com perfeição a demanda profunda do seu tempo. 

O mundo melhora. É imprevisível quão longe pode alcançar o efeito de um único impulso verdadeiro do artista em direção a realizar sua obra. Isto pode afetar a humanidade e o curso da historia.
O artista ao realizar a verdade da sua vida, sua obra, produz algo que irá atuar no mundo de uma maneira tão eficaz quanto natural, influenciando todo o corpo social infinitamente, bem mais que qualquer ato filantrópico ou de proselitismo que ele se preste a realizar.

A função social da arte é tão somente marcar simbolicamente o alcançado enquanto consciência humana, o que não é pouco.
A pietá do Michel Angelo está lá para que não esqueçamos quem somos para nos lembrar aonde chegamos, diante dela não há como retroceder, ela é nossa consciência enquanto humanos, sem a arte voltaríamos às trevas.

O escritor francês André Malraux, um ateu, anuncia que o século 21 será religioso ou não será. Seu colega argentino Jorge Luiz Borges vê o século 21 como o da ascensão da barbárie. 
A meu ver ambos pressentem a mesma coisa, dificilmente Malraux fala de religião aos moldes do passado, no meu entendimento ele se refere à etimologia da palavra, sua origem, religião vem de religare, religar, conectar-se outra vez.  Da mesma forma a observação de Borges aponta a barbárie como consequência natural da alienação contemporânea. Do desligamento do homem da sua natureza essencial, e da sua opção por elementos substitutos que é o padrão contemporâneo de produção e consumo. A barbárie a que se refere o Borges diz respeito ao fato que o próprio homem se tornou objeto de consumo, ele também é um produto de massa. Massificado, alienado e sem nenhuma individualidade.


A arte do século 21, e esta é uma afirmação minha, retomará seu papel sagrado, seu lugar de guia dos sonhos de um homem inteiro e integrado. Seu papel de linguagem espiritual, ponte de comunicação entre a parte e o todo, uma nova arte totêmica, expressão do comum a todos, um elemento de comunhão.
É este o pensamento que me guia e sustenta, esta loucura é cíclica, uma hora passa.
Fico feliz em saber que afora isto estás bem e feliz, esta é a maior contribuição que podemos dar neste momento ao planeta.
Com um abraço fraterno,
Sergio




Ilustrações: reprodução de pinturas de Sergio Lucena.
Visite seu site em http://www.sergiolucena.net

A invenção da verdade ou a versão dos fatos

A quem só vê o progresso - como “nunca na história deste país”- tão propalado pelo governo é bom não perder de vista o que ocorre nos bastidores da política palaciana, que vem à tona eventualmente na tinta da dita imprensa burguesa. A máquina orquestrada para a manutenção do poder não deixa nada a dever aos manuais fascistas, que inspiram os tiranetes terceiromundistas, respaldados pelo voto popular. Tomo a liberdade de reproduzir o artigo de Otávio Cabral, de Veja, para que sirva de alerta inclusive aos “lulistas” deslumbrados e aos que ainda se iludem com o PT. Henrique Magalhães

A BUSCA DA HEGEMONIA

A estratégia de supressão da verdade no Brasil caminha em três frentes, conforme os ensinamentos do comunista italiano Antonio Gramsci. Na semana passada foi dado mais um passo importante nessa direção

Otávio Cabral

Há dois meses, um político respeitável testemunhou uma cena insólita no gabinete do presidente Lula. Aliado de primeira hora do governo, ele discutia estratégias eleitorais com o presidente. De repente, sem se anunciar, irrompeu na sala o ministro Franklin Martins, da Comunicação social, eufórico, com as mãos ocupadas por recortes de jornal com notícias sobre a criminosa ofensiva desencadeada pela presidente da Argentina contra a imprensa. Citando trechos das reportagens, Franklin se entusiasmava com a ousadia de Cristina Kirchner em sua guerra contra os jornais e emissoras de televisão argentinos. O presidente ouviu o relato, passou os olhos pelos recortes e fitou o visitante, como se pedisse sua opinião sobre o assunto. “A Argentina é que deveria invejar nosso modelo de liberdade”, disse o político. Franklin apanhou os recortes e deixou o gabinete. A conversa voltou ao tema anterior, eleições, mas deixou no ar um intrigante clima de constrangimento. Franklin Martins foi militante partidário enquanto exerceu a profissão de jornalista, até tornar-se Ministro da Supressão da Verdade do governo Lula.

A estratégia se dá em três frentes, seguindo a cartilha do italiano Antonio Gramsci (1891-1937). Ele ensinou que o comunismo pode ser implantado sem uma revolução nos padrões bolchevistas desde que se suprimam as vozes discordantes até que os militantes obtenham a “hegemonia cultural” da nação.

*A primeira frente da estratégia consiste em criticar a imprensa livre em toda oportunidade, havendo ou não motivo para isso, de modo que, aos poucos, vá se disseminando a descrença em tudo que é publicado sem a chancela oficial do governo ou do partido.

*A segunda frente é focada em fazer e apoiar leis que tornem cada vez mais inviável o exercício da imprensa livre. São leis que tentam submeter os jornalistas a organizações de controle dominadas por agentes partidários e governamentais – e as de origem econômica que visam a minar gradativamente as fontes de financiamento da imprensa pela iniciativa privada na forma de anúncios.

*O terceiro mandamento gramsciano determina que, na busca da “hegemonia cultural”, o comunista deve criar ou apoiar jornais, revistas e redes de televisão controlados pelo partido, para que eles concorram com a imprensa livre na busca da atenção de leitores e telespectadores. Dessa maneira, ensina Gramsci, o militante comunista pode fazer seu proselitismo fingindo que está defendendo os interesses gerais da população ou lutando para elevar o nível do jornalismo praticado no país. Tudo enganação. O único objetivo é atingir a “hegemonia cultural”, quando então caberá ao partido determinar o que é versão e o que é fato.

A estratégia teve na semana passada mais um avanço em sua vertente número 3. O presidente Lula compareceu à inauguração da TV dos Trabalhadores (TVT), uma concessão dada ao sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que investiu 15 milhões de reais no projeto – dinheiro oriundo do imposto compulsório descontado dos trabalhadores. Lá, de novo, estava Franklin Martins, elogiando o modelo. O canal, mantido com dinheiro de impostos, terá parte de sua programação produzida pelo governo. “Isso é uma revolução. Mas é irreversível e está apenas começando”, disse o ministro Martins, orgulhoso como um prefeito que inaugura uma ponte.

Desde 2007, Martins passou a despejar dezenas de milhões de reais em cerca de 3 000 pequenas emissoras de rádio no interior do Brasil. Cada uma delas recebe de 5 000 a 10 000 reais por mês, o preço que cobram para divulgar apenas notícias de interesse do partido e do governo. “Nós, por convicção ou necessidade, já tendemos a ser governistas. Ainda mais agora, recebendo verbas para financiar nosso funcionamento, a adesão ao governo Lula é total. Não há rádio ou TV no interior do país que fale mal do governo”, diz um deputado da base aliada, dono de uma emissora de rádio em um pequeno estado do Norte. Citando a própria experiência, ele acrescenta: “Hoje, mais de 50% do orçamento da minha emissora vem de verbas federais. Antes do Lula, a rádio dependia do prefeito. Com o dinheiro do governo, já modernizamos os equipamentos e reformamos a sede da emissora. Os locutores e apresentadores estão orientados a dizer que tudo o que o governo faz é sempre bom”.

Na semana passada, durante uma manifestação no Rio de Janeiro contra a censura aos programas humorísticos, Marcelo Madureira, do programa Casseta & Planeta, da Rede Globo, fez um desabafo. Perguntado sobre quem estaria por trás do cerco que se tenta fazer às liberdades, respondeu: “É o seu Franklin Martins e essa picaretagem lá que ficam mandando recadinhos para a gente, que não pode fazer piada”. O Palácio do Planalto tem “lembrado” a emissoras que o governo é o responsável pela renovação das concessões dos canais de televisão. Tem lembrado também que é o governo que define o destino das milionárias verbas de publicidade das empresas estatais, que patrocinam programas e eventos televisivos. Os recados não chegam em forma de piada. Viva a “hegemonia cultual”.

Veja, edição 2180, ano 43, nº 35, 1º de setembro de 2010, p.66-67.

Marca de Fantasia investe na produção digital

Desde que surgiu em 1995, a editora Marca de Fantasia segue as mudanças que se impõem nos campos editorial, tecnológico e comportamental. Dos recursos rudimentares da efervescente época dos fanzines, chegou à impressão a laser e offset, procurando alcançar o melhor nível na perspectiva de produzir com qualidade editorial e baixo custo.

Um passo importante, diria fundamental, foi sua inserção na internet, ampliando horizontes, queimando etapas e suprimindo intermediários. Com o sítio atualizado mensalmente – às vezes duas ou mais vezes ao mês – a editora chega rapidamente ao leitor, pratica a venda direta a preço de custo e diversifica sua gama editorial.


Sempre atenta às inovações, a editora começa a vislumbrar a consolidação de uma nova forma de produção, que fomenta um produto novo, para atingir o leitor que também se mostra aberto às mudanças rápidas, quando não vertiginosas. As edições virtuais, ou eletrônicas, prometem ocupar um largo espaço no campo da editoração, e a Marca de Fantasia já está presente nessa nova realidade.

De forma experimental, lançou alguns livros e álbuns de quadrinhos em arquivos digitais para serem lidos no computador ou em qualquer veículo que dê suporte ao formato pdf. São muitas as vantagens desse tipo de edição: o penoso processo editorial de impressão e montagem das publicações é substituído pela edição digital, que por ser mais rápida, pode intensificar o número de novas publicações. O custo de produção cai praticamente zero, reduzindo-se à assinatura do provedor. Para o leitor isto traz a vantagem de ter o livro por um preço ainda menor que o praticado para a edição impressa, já que a publicação pode ser replicada indefinidamente.

Para o padrão editorial da Marca de Fantasia, as edições impressas tinham que ser em preto e branco, com número limitado de páginas. Com a edição virtual, dispõe-se de outros recursos inerentes ao meio, como a utilização de cores e a navegação por hiperlinks, tornando a leitura mais dinâmica.

A Marca de Fantasia passa, então, a trabalhar com duas formas de edição: as impressas, veiculando as obras em quadrinhos; as virtuais, para os livros de ensaios sobre História em Quadrinhos, Artes, Comunicação, Cultura Pop e afins. Estamos cientes que o público de quadrinhos conserva um forte apego à materialidade das revistas e álbuns, e manteremos essa característica. Para o público acadêmico, cada vez mais habituado aos avanços tecnológicos, os livros teóricos no formato digital são uma vantagem, pelas inúmeras possibilidades oferecidas pelo formato.

Henrique Magalhães
18/07/10

Jogos de prazer

O Dia do Orgulho Gay é pra se comemorar todo dia e não apenas no 28 de junho. Isto o fazem muito bem Rico e Jurandir, que sabem levar a vida com boa dose de orgulho e muita disposição de luta, pra fazer valer o direito ao seu prazer.

  Rendez-vous - Henrique Magalhães  


segunda-feira, 28 de junho de 2010

Uma Marmota com orgulho!

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Em 28 de junho de 1969 um grupo de homossexuais enfrentou a polícia que os perseguia no bar Stonewall Inn, em Nova Iorque. O levante durou várias noites, marcando o 28 de junho como o Dia Internacional do Orgulho Gay. A luta continua, pela igualdade de direitos, pela liberdade de expressão, pelo amor livre e sem discriminação.

Rendez-Vous - com Maria e Pombinha
De Henrique Magalhães


quarta-feira, 23 de junho de 2010

Ensino religioso

Em matéria recente publicada na página Uol Educação, do portal Uol, a antropóloga e professora Débora Diniz alerta para o estímulo e o preconceito fomentado pelo ensino religioso nas escolas públicas. Vale conferir e refletir. HM.
Livros de ensino religioso em escolas públicas estimulam homofobia e intolerância, diz estudo
Uma pesquisa da UnB (Universidade de Brasília) concluiu que o preconceito e a intolerância religiosa fazem parte da lição de casa de milhares de crianças e jovens do ensino fundamental brasileiro. Produzido com base na análise dos 25 livros de ensino religioso mais usados pelas escolas públicas do país, o estudo foi apresentado no livro “Laicidade: O Ensino Religioso no Brasil”, lançado na última terça-feira (22) em Brasília.
“O estímulo à homofobia e a imposição de uma espécie de ‘catecismo cristão’ em sala de aula são uma constante nas publicações”, afirma a antropóloga e professora do departamento de serviço social, Débora Diniz, uma das autoras do trabalho.
Na sua opinião, o ensino religioso estimula a homofobia?
A pesquisa analisou os títulos de algumas das maiores editoras do país. A imagem de Jesus Cristo aparece 80 vezes mais do que a de uma liderança indígena no campo religioso -limitada a uma referência anônima e sem biografia-, 12 vezes mais que o líder budista Dalai Lama e ainda conta com um espaço 20 vezes maior que Lutero, referência intelectual para o Protestantismo. João Calvino nem mesmo é citado.
O estudo aponta que a discriminação também faz parte da tarefa. Principalmente contra homossexuais. “Desvio moral”, “doença física ou psicológica”, “conflitos profundos” e “o homossexualismo não se revela natural” são algumas das expressões usadas para se referir aos homens e mulheres que se relacionam com pessoas do mesmo sexo. Um exercício com a bandeira das cores do arco-íris acaba com a seguinte questão: “Se isso (o homossexualismo) se tornasse regra, como a humanidade iria se perpetuar?”.
Nazismo
A pesquisadora afirma que o estímulo ao preconceito chega ao ponto de associar uma pessoa sem religião ao nazismo – ideologia alemã que tinha como preceitos o racismo e o anti-semitismo, na primeira metade do século 20. “É sugerida uma associação de que um ateu tenderia a ter comportamentos violentos e ameaçadores”, observa Débora. “Os livros usam de generalizações para levar a desinformação e pregar o cristianismo”, completa a especialista, uma das três autoras da pesquisa.
Os números contrastam com a previsão da Lei de Diretrizes e Base da Educação de garantir a justiça religiosa e a liberdade de crença. A lei 9475, em vigor desde 1997, regulamenta o ensino de religião nas escolas brasileiras. “Há uma clara confusão entre o ensino religioso e a educação cristã”, afirma Débora. A antropóloga reforça a imposição do catecismo. “Cristãos tiveram 609 citações nos livros, enquanto religiões afro-brasileiras, tratadas como ‘tradições’, aparecem em apenas 30 momentos”, comenta a especialista.
Da redação em São Paulo, com informações da Agência UnB, em 23/06/10.

http://educacao.uol.com.br/ultnot/2010/06/23/livros-de-ensino-religioso-no-brasil-estimulam-homofobia-e-intolerancia-diz-estudo-da-unb.jhtm

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Katita: o preconceito é um dragão


Quem já não conhece Anita Costa Prado e sua personagem Katita? No meio dos quadrinhos brasileiros, Anita conseguiu em pouco tempo não só tornar sua personagem uma referência obrigatória como conquistar um espaço de destaque, colecionando indicações e prêmios. A perseverança, o bom relacionamento com o público e a clareza de objetivos é o segredo do sucesso de Anita, além da temática inusual e a coerência da obra. A tudo isso, acrescente-se o belo traço de Ronaldo Mendes, que dá uma bela representação à personagem.


Pela Marca de Fantasia Anita lançou o álbum Katita: tiras sem preconceito , que se encontra na segunda edição. Com ele, estabeleceu uma boa rede de leitores, muito além do alcance de público da editora. Suas ações em eventos e contatos com a imprensa foram fundamentais para a difusão do álbum e da personagem, consolidando seu trabalho como um dos mais criativos e inovadores dos quadrinhos humorísticos brasileiros. O trabalho de Anita ressente-se de uma difusão ampla, que chegue ao grande público, que só o mercado editorial pode oferecer. A falta de visão dos editores brasileiros infelizmente tem relegado ao círculo de aficionados o que há de inovador em nossos quadrinhos.

Henrique Magalhães


Katita: o preconceito é um dragão
Anita Costa Prado & Ronaldo Mendes
Série Corisco, nº 7
João Pessoa: Marca de Fantasia, 2010. 32p. 14x20cm. R$5,00
www.marcadefantasia.com

domingo, 2 de maio de 2010

Rango: 40 anos de fome de viver

H. Magalhães


Uma das figuras mais marcantes da cultura brasileira na década de 1970 foi um tipo raquítico, depauperado, imundo e faminto. Longe do glamour da crescente indústria cultural, foi uma personagem de quadrinhos quem chamou a atenção de um público seleto, mas barulhento. Falamos de Rango, de Edgar Vasques, que estreou para o leitor nacional pela L&PM Editora, cuja obra inaugural foi justamente o próprio Rango.

Os 40 anos de Rango, completados em 2010, merece mais que um olhar saudosista, merece o reconhecimento de sua inequívoca longevidade e de sua surpreendente contemporaneidade. Rango chocou o bom gosto da elite e da classe média nacional ao expor as entranhas purulentas da sociedade. Personagem jogado à própria sorte, retratava de forma crua os seres indignos que perambulam maltrapilhos pelos becos e sob os viadutos das grandes cidades. Sua fonte de abastecimento, quando não também sua moradia, se restringe aos lixões, os esgotos de nossa sociedade de consumo.

Rango funcionou muito bem como crítica contundente das injustiças sociais, de forma explosiva em plena ditadura militar, ufanista do “Brasil grande” e do “milagre econômico”. Com humor cáustico, que de forma alguma arranca risos, Edgar construiu com Rango uma lenda, que como toda lenda, com sua aura fantasmagórica, acabou por marcar toda sua obra, tirando-lhe do foco a grandiosidade imagética do conjunto de sua produção.

Mas não culpemos Rango por isso. Seu impacto, bem como sua redundância, que se aplica tão bem ainda nos dias atuais, deve-se à imutável realidade brasileira, 40 anos depois patinando nas mesmas desigualdades. Edgar é maior que Rango, que já é monumental. Junto com Rango, Edgar merece as homenagens por criar uma personagem que resiste ao tempo, que resiste às fórmulas fáceis dos humorísticos atuais, por fim, que resiste à indiferença injuriosa do mercado editorial.
Enquanto houver fome, Rango!









Leia mais sobre Edgar Vasques no fanzine Top! Top! 23.
www.marcadefantasia.com/resenhas/revistas/toptop23.htm

Fanzine Top! Top! ganha versão digital

H. Magalhães

O fanzine Top! Top!, editado por Henrique Magalhães, ganha novo projeto editorial. A cada edição impressa, agora será editada uma edição virtual, que poderá ser carregada livremente no sítio da editora Marca de Fantasia (www.marcadefantasia.com). A edição eletrônica, ou e-zine, conta com novo registro de publicações periódicas, o ISSN, fortalecendo o catálogo da editora com mais essa indexação editorial.

A versão impressa do fanzine tem uma trajetória bastante diversificada, especializando-se na promoção dos novos quadrinistas brasileiros e no resgate da obra dos mestres, além de apresentar textos críticos e resenhas sobre a produção independente nacional. A cada número tem-se uma longa entrevista com um autor em evidência ou consagrado, traçando um perfil pessoal e de sua obra. Os quadrinhos congêneres internacionais também têm destaque no Top! Top!, a exemplo dos cubanos e argentinos, que já participaram de suas edições.

Com o objetivo de promover ainda mais os quadrinhos, o fanzine terá as duas edições simultâneas, a impressa e a virtual. Cada publicação, contudo, terá características próprias, de acordo com os condicionamentos do meio. A versão impressa continua fundamental como registro e por atender aos que curtem a materialidade da publicação, como os colecionadores e fãs. Ela também é importante pelo fácil acesso para leitura e pesquisa em gibitecas e outras bibliotecas.

A versão eletrônica do fanzine mantém o mesmo conteúdo, mas com nova diagramação. A possibilidade de navegação por meio de hiperlinks abre novas perspectivas para o fanzine, que ganha dinamismo em sua leitura e amplitude, podendo remeter a fontes complementares. A utilização de cores é outro diferencial na versão digital, o que é um forte impedimento na versão impressa. Além da capa, que na edição impressa é a única peça colorida, na edição virtual todo o projeto gráfico pode ser pensado com outro padrão estético, o que valoriza ainda mais o trabalho dos autores.

A difusão é, sem dúvida, o objetivo principal do fanzine Top! Top!, que ganha em força e qualidade com a edição digital. Com isso, espera-se que ela conquiste novos leitores para a edição impressa, que continua um mimo editorial.
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Top! Top! 26 (impresso)
Com Edgard Guimarães
Edição Henrique Magalhães
Marca de Fantasia, fevereiro de 2010, 52p, formato 14x20cm. R$8,00.

Top! Top! 26 (e-zine, em pdf)

sábado, 13 de fevereiro de 2010

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Carnavais de sonho e fantasia

Henrique Magalhães

O tempo tem outra medida quando se é criança. As festas levam séculos para chegar, mas quando chegam, duram pra valer, na intensidade da entrega da emoção. Diferente das prévias previsíveis de hoje, o carnaval pelos idos dos anos 1960 começava bem antes dos quatro dias de Momo. O primeiro grito de carnaval era a virada do ano, no tradicional baile do clube Cabo Branco, reservado apenas aos adultos, pois varava a madrugada até o amanhecer. Crianças, como eu, ficavam curtindo a folia de tabela, pelos relatos eufóricos dos mais velhos. Depois vinha o Vermelho e Branco, do Cabo Branco, o Azul e Branco, do clube Astréa e outras prévias carnavalescas espalhadas pelos bairros.

Esse clima contagiante e crescente culminava com o carnaval, apoteose de alegria, extravagância de cores e fantasia. Mas o carnaval para mim começava com a tradicional visita acompanhada de meu pai ao clube AABB (Associação Atlética Banco do Brasil), que ficava no limiar do Centro e dos bairros de Jaguaribe e da Torre, e a três quarteirões de minha casa. O que me fascinava era ver a construção da cena onde ocorreria a folia, com suas máscaras gigantes, colunas de madeiras e plásticos que ganhariam luzes num festival multicor.

Não cheguei a conhecer na infância um carnaval de rua digno do nome. O que me tocava o espírito eram os tambores que ecoavam da Torre, que em minha ingenuidade remetiam a tribos de índios de verdade. Muito depois descobri que nesse bairro tão próximo do Centro, mas na época tão pobre e periférico, fervilhavam tribos indígenas carnavalescas, escolas de samba, orquestras de frevo e, noutra época do ano, uma infinidade de quadrilhas juninas, formando um celeiro exuberante de cultura popular.

Carnaval de rua era um carnaval pra se ver, com o desfile das escolas de samba, orquestras, troças e tribos. O povo brincava vendo os outros brincar. Isso que se chama hoje “Carnaval Tradição”, que anualmente desfila na passarela da avenida Duarte da Silveira, numa demonstração de resistência cultural. Fora isso, havia o corso, que substituiu pobremente com lama, maizena e pó de serra, o desfile de carros alegóricos com confete e lança-perfume do tempo de meus pais.

Meu carnaval, portanto, era mesmo nas matinês no salão do AABB, girando no sentido anti-horário, seguindo a corrente ao som das marchinhas de antigamente e atuais no sopro da orquestra de frevo. Meu sonho era entrar no salão dos grandes, no “palácio de vidro”, onde havia uma decoração mais caprichada e a folia era mais efusiante. Até o dia em que consegui furar o bloqueio dos porteiros/seguranças que controlavam a entrada pela idade dos foliões. Brinquei, pulei ao refrão de “Máscara negra”, rodei o salão e me mostrei para chamar a atenção dos amigos que ficaram de fora. Em vão. Ninguém percebeu. Então saí e fui brincar em meu salão, com a pirralhada, apanhando o resto de rolos de serpentinas para atirá-los novamente, redistribuindo alegria. 






Texto originalmente publicado
no livro Cinquenta Carnavais,
Organizado por Fernando Moura

Uma marmota especial de carnaval

Maria - Henrique Magalhães