quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Carnavais de sonho e fantasia

Henrique Magalhães

O tempo tem outra medida quando se é criança. As festas levam séculos para chegar, mas quando chegam, duram pra valer, na intensidade da entrega da emoção. Diferente das prévias previsíveis de hoje, o carnaval pelos idos dos anos 1960 começava bem antes dos quatro dias de Momo. O primeiro grito de carnaval era a virada do ano, no tradicional baile do clube Cabo Branco, reservado apenas aos adultos, pois varava a madrugada até o amanhecer. Crianças, como eu, ficavam curtindo a folia de tabela, pelos relatos eufóricos dos mais velhos. Depois vinha o Vermelho e Branco, do Cabo Branco, o Azul e Branco, do clube Astréa e outras prévias carnavalescas espalhadas pelos bairros.

Esse clima contagiante e crescente culminava com o carnaval, apoteose de alegria, extravagância de cores e fantasia. Mas o carnaval para mim começava com a tradicional visita acompanhada de meu pai ao clube AABB (Associação Atlética Banco do Brasil), que ficava no limiar do Centro e dos bairros de Jaguaribe e da Torre, e a três quarteirões de minha casa. O que me fascinava era ver a construção da cena onde ocorreria a folia, com suas máscaras gigantes, colunas de madeiras e plásticos que ganhariam luzes num festival multicor.

Não cheguei a conhecer na infância um carnaval de rua digno do nome. O que me tocava o espírito eram os tambores que ecoavam da Torre, que em minha ingenuidade remetiam a tribos de índios de verdade. Muito depois descobri que nesse bairro tão próximo do Centro, mas na época tão pobre e periférico, fervilhavam tribos indígenas carnavalescas, escolas de samba, orquestras de frevo e, noutra época do ano, uma infinidade de quadrilhas juninas, formando um celeiro exuberante de cultura popular.

Carnaval de rua era um carnaval pra se ver, com o desfile das escolas de samba, orquestras, troças e tribos. O povo brincava vendo os outros brincar. Isso que se chama hoje “Carnaval Tradição”, que anualmente desfila na passarela da avenida Duarte da Silveira, numa demonstração de resistência cultural. Fora isso, havia o corso, que substituiu pobremente com lama, maizena e pó de serra, o desfile de carros alegóricos com confete e lança-perfume do tempo de meus pais.

Meu carnaval, portanto, era mesmo nas matinês no salão do AABB, girando no sentido anti-horário, seguindo a corrente ao som das marchinhas de antigamente e atuais no sopro da orquestra de frevo. Meu sonho era entrar no salão dos grandes, no “palácio de vidro”, onde havia uma decoração mais caprichada e a folia era mais efusiante. Até o dia em que consegui furar o bloqueio dos porteiros/seguranças que controlavam a entrada pela idade dos foliões. Brinquei, pulei ao refrão de “Máscara negra”, rodei o salão e me mostrei para chamar a atenção dos amigos que ficaram de fora. Em vão. Ninguém percebeu. Então saí e fui brincar em meu salão, com a pirralhada, apanhando o resto de rolos de serpentinas para atirá-los novamente, redistribuindo alegria. 






Texto originalmente publicado
no livro Cinquenta Carnavais,
Organizado por Fernando Moura

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