sábado, 25 de setembro de 2010

A invenção da verdade ou a versão dos fatos

A quem só vê o progresso - como “nunca na história deste país”- tão propalado pelo governo é bom não perder de vista o que ocorre nos bastidores da política palaciana, que vem à tona eventualmente na tinta da dita imprensa burguesa. A máquina orquestrada para a manutenção do poder não deixa nada a dever aos manuais fascistas, que inspiram os tiranetes terceiromundistas, respaldados pelo voto popular. Tomo a liberdade de reproduzir o artigo de Otávio Cabral, de Veja, para que sirva de alerta inclusive aos “lulistas” deslumbrados e aos que ainda se iludem com o PT. Henrique Magalhães

A BUSCA DA HEGEMONIA

A estratégia de supressão da verdade no Brasil caminha em três frentes, conforme os ensinamentos do comunista italiano Antonio Gramsci. Na semana passada foi dado mais um passo importante nessa direção

Otávio Cabral

Há dois meses, um político respeitável testemunhou uma cena insólita no gabinete do presidente Lula. Aliado de primeira hora do governo, ele discutia estratégias eleitorais com o presidente. De repente, sem se anunciar, irrompeu na sala o ministro Franklin Martins, da Comunicação social, eufórico, com as mãos ocupadas por recortes de jornal com notícias sobre a criminosa ofensiva desencadeada pela presidente da Argentina contra a imprensa. Citando trechos das reportagens, Franklin se entusiasmava com a ousadia de Cristina Kirchner em sua guerra contra os jornais e emissoras de televisão argentinos. O presidente ouviu o relato, passou os olhos pelos recortes e fitou o visitante, como se pedisse sua opinião sobre o assunto. “A Argentina é que deveria invejar nosso modelo de liberdade”, disse o político. Franklin apanhou os recortes e deixou o gabinete. A conversa voltou ao tema anterior, eleições, mas deixou no ar um intrigante clima de constrangimento. Franklin Martins foi militante partidário enquanto exerceu a profissão de jornalista, até tornar-se Ministro da Supressão da Verdade do governo Lula.

A estratégia se dá em três frentes, seguindo a cartilha do italiano Antonio Gramsci (1891-1937). Ele ensinou que o comunismo pode ser implantado sem uma revolução nos padrões bolchevistas desde que se suprimam as vozes discordantes até que os militantes obtenham a “hegemonia cultural” da nação.

*A primeira frente da estratégia consiste em criticar a imprensa livre em toda oportunidade, havendo ou não motivo para isso, de modo que, aos poucos, vá se disseminando a descrença em tudo que é publicado sem a chancela oficial do governo ou do partido.

*A segunda frente é focada em fazer e apoiar leis que tornem cada vez mais inviável o exercício da imprensa livre. São leis que tentam submeter os jornalistas a organizações de controle dominadas por agentes partidários e governamentais – e as de origem econômica que visam a minar gradativamente as fontes de financiamento da imprensa pela iniciativa privada na forma de anúncios.

*O terceiro mandamento gramsciano determina que, na busca da “hegemonia cultural”, o comunista deve criar ou apoiar jornais, revistas e redes de televisão controlados pelo partido, para que eles concorram com a imprensa livre na busca da atenção de leitores e telespectadores. Dessa maneira, ensina Gramsci, o militante comunista pode fazer seu proselitismo fingindo que está defendendo os interesses gerais da população ou lutando para elevar o nível do jornalismo praticado no país. Tudo enganação. O único objetivo é atingir a “hegemonia cultural”, quando então caberá ao partido determinar o que é versão e o que é fato.

A estratégia teve na semana passada mais um avanço em sua vertente número 3. O presidente Lula compareceu à inauguração da TV dos Trabalhadores (TVT), uma concessão dada ao sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que investiu 15 milhões de reais no projeto – dinheiro oriundo do imposto compulsório descontado dos trabalhadores. Lá, de novo, estava Franklin Martins, elogiando o modelo. O canal, mantido com dinheiro de impostos, terá parte de sua programação produzida pelo governo. “Isso é uma revolução. Mas é irreversível e está apenas começando”, disse o ministro Martins, orgulhoso como um prefeito que inaugura uma ponte.

Desde 2007, Martins passou a despejar dezenas de milhões de reais em cerca de 3 000 pequenas emissoras de rádio no interior do Brasil. Cada uma delas recebe de 5 000 a 10 000 reais por mês, o preço que cobram para divulgar apenas notícias de interesse do partido e do governo. “Nós, por convicção ou necessidade, já tendemos a ser governistas. Ainda mais agora, recebendo verbas para financiar nosso funcionamento, a adesão ao governo Lula é total. Não há rádio ou TV no interior do país que fale mal do governo”, diz um deputado da base aliada, dono de uma emissora de rádio em um pequeno estado do Norte. Citando a própria experiência, ele acrescenta: “Hoje, mais de 50% do orçamento da minha emissora vem de verbas federais. Antes do Lula, a rádio dependia do prefeito. Com o dinheiro do governo, já modernizamos os equipamentos e reformamos a sede da emissora. Os locutores e apresentadores estão orientados a dizer que tudo o que o governo faz é sempre bom”.

Na semana passada, durante uma manifestação no Rio de Janeiro contra a censura aos programas humorísticos, Marcelo Madureira, do programa Casseta & Planeta, da Rede Globo, fez um desabafo. Perguntado sobre quem estaria por trás do cerco que se tenta fazer às liberdades, respondeu: “É o seu Franklin Martins e essa picaretagem lá que ficam mandando recadinhos para a gente, que não pode fazer piada”. O Palácio do Planalto tem “lembrado” a emissoras que o governo é o responsável pela renovação das concessões dos canais de televisão. Tem lembrado também que é o governo que define o destino das milionárias verbas de publicidade das empresas estatais, que patrocinam programas e eventos televisivos. Os recados não chegam em forma de piada. Viva a “hegemonia cultual”.

Veja, edição 2180, ano 43, nº 35, 1º de setembro de 2010, p.66-67.

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