Recebi do artista paraibano Sergio Lucena, radicado em são Paulo, a única manifestação relativa à edição 13 d’A Marmota, em que compartilho uma matéria publicada na revista Veja sobre "hegemonia cultural", que me chamara a atenção. As considerações de Sergio sobre a situação política do país e a relação do artista com a política são absolutamente pertinentes, de maneira que, com a concordância dele, decidi divulgar nossa troca de e-mails ocorrida neste final de setembro de 2010. Esta edição d’A Marmota é um bom motivo para uma reflexão sobre a indiferença e omissão sobre nossa vida quotidiana.
Henrique Magalhães
Meu caro Henrique,
Desculpe a demora em responder agradecendo o envio deste e-mail. É um alivio para mim saber que você está atento aos fatos, e que não se deixou sucumbir ao totalitarismo hegemônico que se configura no Brasil em torno da candidatura Dilma.
Ao que tudo indica, no lento processo de maturação política do país, caminhamos para uma nova experiência totalitária mal disfarçada num capitalismo de favores, onde a máxima absolutista prevalece: aos amigos tudo, aos inimigos a força da lei. Este atraso histórico está refletido claramente na infantilidade da nossa sociedade, que vê Lula como um pai e agora quer deitar-se no colo da mãe. No geral, não temos consciência nem responsabilidade individual, e este governo bem sabe usar desta inocência infantil. Um dos exemplos disto é a avacalhação moral imposta por este governo como norma de conduta, um prejuízo imensurável ao avanço do país rumo a um lugar civilizado, nada poderia ser mais comprometedor ao nosso futuro que esta pérfida estratégia, naturalmente que a censura das idéias e da livre expressão é parte do projeto.
Forte abraço
Sergio Lucena
Caro Sergio
De todas as "Marmotas" que já enviei, esta foi a que gerou mais indiferença dos leitores. Você foi a única pessoa que comentou e fico muito feliz que partilhamos o mesmo pensamento. Estou indignado e envergonhado com este país e não vejo um futuro brilhante para ele. Esta eleição, em particular, me mostrou isso e me levou a uma desesperança sem fim.
Felizmente, no nível pessoal, estou muito tranquilo e feliz. HM
Embora muitos dentre nós estejam atentos aos fatos, para minha surpresa, de varias partes do meio cultural, e especialmente de alguns colegas artistas da Paraíba e do Nordeste, tenho recebido toda sorte de criticas por discordar frontalmente do caminho que o país está trilhando, a meu ver, o caminho da barbárie.
Assisto a fúrias destes artistas e de muitos ideólogos sociais a acusarem à busca solitária do artista, que é minha crença e meu caminho, como uma postura arrogante e descompromissada politicamente com a sociedade, eu digo que é justo o contrario o que se passa. Eu digo que a sociedade muito se beneficia desta atitude do artista, que ao se ajustar a si mesmo ele atende com perfeição a demanda profunda do seu tempo.
O mundo melhora. É imprevisível quão longe pode alcançar o efeito de um único impulso verdadeiro do artista em direção a realizar sua obra. Isto pode afetar a humanidade e o curso da historia.
O artista ao realizar a verdade da sua vida, sua obra, produz algo que irá atuar no mundo de uma maneira tão eficaz quanto natural, influenciando todo o corpo social infinitamente, bem mais que qualquer ato filantrópico ou de proselitismo que ele se preste a realizar.
A função social da arte é tão somente marcar simbolicamente o alcançado enquanto consciência humana, o que não é pouco.
A pietá do Michel Angelo está lá para que não esqueçamos quem somos para nos lembrar aonde chegamos, diante dela não há como retroceder, ela é nossa consciência enquanto humanos, sem a arte voltaríamos às trevas.
O escritor francês André Malraux, um ateu, anuncia que o século 21 será religioso ou não será. Seu colega argentino Jorge Luiz Borges vê o século 21 como o da ascensão da barbárie.
A meu ver ambos pressentem a mesma coisa, dificilmente Malraux fala de religião aos moldes do passado, no meu entendimento ele se refere à etimologia da palavra, sua origem, religião vem de religare, religar, conectar-se outra vez. Da mesma forma a observação de Borges aponta a barbárie como consequência natural da alienação contemporânea. Do desligamento do homem da sua natureza essencial, e da sua opção por elementos substitutos que é o padrão contemporâneo de produção e consumo. A barbárie a que se refere o Borges diz respeito ao fato que o próprio homem se tornou objeto de consumo, ele também é um produto de massa. Massificado, alienado e sem nenhuma individualidade.
A arte do século 21, e esta é uma afirmação minha, retomará seu papel sagrado, seu lugar de guia dos sonhos de um homem inteiro e integrado. Seu papel de linguagem espiritual, ponte de comunicação entre a parte e o todo, uma nova arte totêmica, expressão do comum a todos, um elemento de comunhão.
É este o pensamento que me guia e sustenta, esta loucura é cíclica, uma hora passa.
Fico feliz em saber que afora isto estás bem e feliz, esta é a maior contribuição que podemos dar neste momento ao planeta.
Com um abraço fraterno,
Sergio
Ilustrações: reprodução de pinturas de Sergio Lucena.
Visite seu site em http://www.sergiolucena.net
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